quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Lobato e a eugenia

Ao longo do mês de novembro, uma polêmica esdrúxula inundou as redes de relacionamento, quando o CNE - Conselho Nacional de Educação, decidiu recomendar que Caçadas de Pedrinho, livro do ciclo do Sítio do Picapau Amarelo, de Monteiro Lobato, originalmente publicado em 1933, fosse melhor contextualizado nas escolas públicas devido ao seu conteúdo etnicamente incorreto.
Sem problemas, não é a primeira vez que isso acontece com esse mesmo título, que anteriormente havia sido classificado como ecologicamente incorreto, e o mesmo já aconteceu com muitos outros títulos ao longo do tempo.

Lobato é sabidamente um autor polêmico devido a suas crenças eugenistas, mais declaradas no romance O presidente negro, de 1926. Como naquela época não era crime ser racista, Lobato nunca sentiu qualquer pudor em inserir esses valores - discutíveis é certo - em sua literatura, de forma mais ou menos explícita. Não há dúvida que esse conteúdo deve ser cuidadosamente avaliado pelos educadores nos dias de hoje, e é isso que o CNE sugeriu.
Mas parece que a sociedade brasileira é muito sensível quando se trata de qualquer coisa que lembre censura, por motivos óbvios, ou que envolva Monteiro Lobato, que é uma espécie de herói nacional. Talvez seja por causa das séries de TV, já que a juventude moderna prefere guloseimas mais confeitadas, como Harry Potter e Crepúsculo.
O CNE foi achincalhado de todo lado, acusado de censura - o que é no mínimo um exagero - e de tentar denegrir a memória do autor, o que de forma alguma foi o caso. Foi o próprio Lobato que o fez a si mesmo quando usou a literatura infantil como ferramenta doutrinária.
Ninguém deixa de reconhecer o valor de Lobato como um dos principais incentivadores do hábito da leitura no Brasil, e ele merece todo o mérito por isso. Mas ele não era perfeito. Vamos com calma, pessoal. As vezes, os morcegos tem que ser espantados do sótão.

Na verdade, o CNE elabora um estudo sobre os livros escolares e emite recomendações que servem de parâmetro para o MEC - Ministério da Educação e Cultura, definir os títulos que vai incluir no pacote de compras a ser distribuído às escolas e bibliotecas públicas em todo o país. Muita gente falou que devia ter mais gente nesse pacote, sugeriram nomes etc, mas quase ninguém se incomodou em saber quais são os títulos que o MEC tem efetivamente comprado.
A escritora Ana Cristina Rodrigues, através de um bem vindo email a uma lista de discussão, informou links em que se pode ver as listas de livros do programa Biblioteca da Escola para 2011.

Vejam só, entre clássicos da FC&F como Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, 1984, de George Orwell, Frankenstein, de Mary Shelley, A máquina do tempo, de H. G. Wells e Cidades invisíveis, de Italo Calvino, estão títulos moderninhos, como O ladrão de raios, de Rick Riordan, Ponte para Terabítia, de Leslie Burke e Jesse Aarons, e Para sempre, de Alyson Noel.

E entre os autores brasileiros, ao lado de O pirotécnico Zacarias, de Murilo Rubião, aparecem lançamentos novíssimos como Sangue de lobo, de Rosana Rios e Helena Gomes, Histórias de arrepiar, de Regina Drummond e Babel Hotel, de Luis Brás. Na minha opinião, mesmo sem Lobato, é uma boa seleção para a garotada ler. Todo ano a lista muda, de forma que as bibliotecas podem ser continuamente abastecidas com novidades.
Portanto, pelo menos para mim, parece que toda a discussão foi uma grande bolha de opiniões que sequer aconteceria se elas fossem melhor embasadas. Sinal que a maior parte dos leitores conhece muito mal a obra de Lobato e ainda menos a respeito das estruturas técnicas que regem a pedagogia no Brasil. E nem quer conhecer.

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