segunda-feira, 14 de março de 2011

Resenha: O cipreste apaixonado


O cipreste apaixonado é uma antologia de contos e novelas do escritor e cineasta português António de Macedo publicado em 2000 pela editora Caminho, de Lisboa.
Cinco trabalhos compõe o volume: "O cipreste apaixonado", "So long Clementine", "Senhora partem tão tristes", "As baratas morrem de costas" e "Terminus Peripherium". Cada um deles tem seu próprio universo, variando em gênero e entonação, mas o estilo de Macedo dá conjunto a obra.
"O cipreste apaixonado", que abre a antologia, toma quase a metade do volume. Conta a história misteriosa de uma jovem senhora chamada Natália, recém-divorciada, que se instala numa casa de campo antiga, mas bem cuidada, cercada por um jardim amplo e viçoso, com árvores centenárias e uma fonte algo tenebrosa. A história começa quando Natália decide consultar um amigo psicólogo e contar-lhe sobre alguns distúrbios que lhe assaltam, sonhos violentos e desenfreados que parecem seguir um padrão coerente. Uma vizinha, versada em artes místicas, também se interessa pelos surtos de Natália e as investigações vão levar todos os personagens a um torvelinho de forças poderosas descendentes de dramas antigos e alimentadas por terrores e tragédias ao longo dos tempos.
O segundo trabalho da antologia é "So long Clementine", a história mais aproximada da ficção científica, com uma curiosa estrutura pós-moderna. Não há uma introdução tradicional e a história começa em ação plena, com um casal humano em fuga desesperada por um complexo labiríntico árido e absolutamente escuro. Paredes nuas, chão metálico, escadarias gigantes, montanhas de esqueletos, becos sem saída e, a persegui-los, uma horda de monstros e máquinas de extermínio armada até os dentes, dos quais os fugitivos apenas escutam os sons aterrorizantes cada vez mais próximos. Aos poucos o panorama se descortina enquanto a fuga vai ficando mais e mais alucinante, com confrontos entre os fugitivos e seus algozes em escaramuças de tirar o fôlego.
A seguir aparece "Senhoras partem tão tristes", um conto delirante sobre um contato imediato que se emaranha com o drama romântico de um casal de cientistas numa viagem de automóvel. A cada corte narrativo, um novo panorama se abre, numa história enigmática. Viagem no tempo, espiritismo, multidimensionalismo, história alternativa e muitas outras explicações são sugeridas pelo autor.
A quarta história é "As baratas morrem de costas", sátira tecnofóbica narrada em primeira pessoa, na qual o que é aparentemente um cientista conta como o mundo acabou a partir do momento em que a humanidade instalou máquinas de viagem por teletransporte. Aconteceu que os corpos teletransportados perdiam a ligação com suas almas humanas no processo e estes eram tomados por demônios que passavam a realizar todo o tipo de coisas absurdas próprias dos demônios. O narrador da história conta que criou então um método alternativo que, ao realizar o transporte, substituía o ferro do sangue por cobre, impedindo a invasão demoníaca. Mas a substituição causou efeitos colaterais ainda mais indesejáveis. Esta história pode ser vista no fanzine Somnium, em sua edição nº71 de março de 1999, creditada pelo autor.
Fechando a antologia temos "Terminus Peripherium", versão revisada de um trabalho publicado na antologia bilíngue Inconsequências na periferia do império, de 1996. O conto usa da metalinguagem, mesclando duas narrativas: uma em terceira pessoa (a narrativa do autor) e outra em primeira pessoa, que é uma história que está sendo escrita pelo protagonista, autor profissional de histórias de terror pressionado pelo prazo de entrega. Mas a história começa a extrapolar e os personagens por ele imaginados começam a se materializar, rompendo a membrana que separa a realidade objetiva da imaginada.
Para contextualizar o fenômeno, Macedo distribui uma série de argumentos metafísicos através das falas de estudiosos que participam de um encontro periódico de especialistas no oculto, que soa muito parecido com certas reuniões de um outro tipo de especialistas. Metalinguagem dupla.
O cipreste apaixonado é um livro agradável, divertido e muito equilibrado: todos os contos são bons ou ótimos. O autor não assumiu o universo lovecraftiano, mas pode-se identificar sua influência na construção de alguns dos cenários e climas.
Um livro que eu recomendo, embora de aquisição difícil no Brasil.

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