domingo, 10 de fevereiro de 2013

Sob a bandeira da coragem

Sob a bandeira da coragem (The red badge of courage) é um dos poucos livros escritos por Stephen Crane, autor norte-americano falecido aos 29 anos (1881/1900), que nunca participou de uma guerra mas redigiu um relato pungente do drama pessoal de um soldado que se vê, pela primeira vez, em meio a um combate de morte.
A edição em português que eu li foi da Coleção Western da editora portuguesa Europa-América, mas soube que há pelo menos uma edição brasileira, obviamente esgotada. O romance, publicado em 1895, deu a Crane o respeito que até então não gozava na literatura americana, sendo adaptado para o cinema por John Huston em 1951, com Audie Murphy no papel do covarde protagonista.
A história conta os dramas reais e imaginários do jovem soldado Henry Fleming que, por romantismo, se alistou no Exército na União, e teve o azar de ter como primeira experiência de combate, a sangrenta batalha de Gettysburg. O autor não cita o nome do local, mas é facilmente reconhecível por quem teve alguma informação a respeito dessa batalha da Guerra Civil Americana, acontecida em 1863.
O que mais surpreende é o estilo de Crane, moderníssimo e de um naturalismo exacerbado. Como a história é narrada pelo soldado, as cenas descritas no romance são apenas aquelas em que o personagem participa diretamente e, mesmo assim, de forma muito parcial, uma vez que a fumaça e o barulho enlouquecedor dos canhões, além da sensação contínua de iminência da morte, retirou da testemunha qualquer chance de uma visão concatenada.
As batalhas são descritas como se vistas pelo personagem, laivadas de interpretações parciais e inconclusivas, dúvidas, preconceitos, ódios e frustrações. O tempo se dilata e contrai conforme a percepção do personagem.
O próprio título do romance demonstra essa imprecisão ambígua que permeia o romance: ao mesmo tempo em que se pode referir às listras vermelhas da bandeira da União, hoje a bandeira dos EUA (uma leitura superficial e ufanista), também tem a ver com os ferimentos de guerra e o sangue derramado em combate, que é uma leitura bem mais profunda e tocante.
Outro detalhe é que os leitores não sabem que o personagem principal se chama Henry até mais ou menos um terço do romance, quando um companheiro de pelotão casualmente o chama pelo nome. Da mesma forma, só conhecemos os demais personagens pelo nome quando alguém os nomeia e muitos deles sequer chegam a ser apresentados. São apenas soldados de uniforme, padronizados e descartáveis, descritos pelo autor apenas por detalhes despersonalizados, como a altura, o modo de falar, o estado das roupas etc. A cena em que Henry, fugindo em pânico, encontra o cadáver de um soldado numa catedral natural na floresta, é antológica e muitas vezes citada em filmes, livros e até desenhos animados.
Bons livros de western são difíceis de encontrar. Este realmente merece a nossa atenção.

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